DANILO
MARCONDES
Pontifícia Universidade
Católica (RJ)
Título: Ceticismo, Filosofia Cética e Linguagem.
Resumo: Proponho-me a discutir duas questões que explicam
meu interesse pelo ceticismo e têm orientado minha leitura dos filósofos
céticos: Até que ponto o ceticismo é viável como
opção filosófica no pensamento contemporâneo? Qual
a importância da questão da linguagem para o ceticismo?
O desenvolvimento dessa discussão depende de alguns esclarecimentos iniciais.
Por exemplo, se perguntarmos até que ponto o ceticismo é uma opção
filosófica viável, é preciso caracterizar um pouco melhor
o que se entende aqui por “ceticismo”? Recorrendo à tradição
filosófica, sobretudo antiga, pretendo assim distinguir entre: (1) ceticismo
como um momento do pensamento, caracterizado pelo questionamento, a indagação,
a dúvida; (2) os argumentos céticos, como um determinado tipo
de argumento e modo de argumentar; (3) a filosofia cética, como um modo
de filosofar, como um tipo de filosofia, caracterizada pela skeptiké
agogé, uma visão de filosofia como atitude, como experiência
de vida; além de obviamente (4) o ceticismo como corrente(s) filosófica(s)
historicamente determinada(s).
De um ponto de vista histórico podemos nos perguntar até que ponto
na retomada do ceticismo antigo, ou da filosofia cética antiga, no início
do período moderno, o ceticismo não sofre uma transformação
radical dando origem a uma nova concepção de filosofia cética
e a um novo papel filosófico do ceticismo? Isso significaria que uma
filosofia cética tal como encontrada no ceticismo pirrônico antigo
não seria mais uma alternativa no pensamento contemporâneo? A questão
do insulamento do pensamento filosófico tal como colocada por M.Burnyeat
parece crucial para esta discussão. Ainda nessa linha, pode-se argumentar
também que talvez o conceito de dúvida, central para o ceticismo
moderno, sobretudo cartesiano, não tenha um equivalente exato no ceticismo
antigo.
Isso nos leva à discussão sobre a relação entre
ceticismo (ou seria então filosofia cética?) e vida comum ou experiência
cotidiana na linha do texto famoso de T. Clarke, “The Legacy of Skepticism”
(Journal of Philosophy, 1972).
Por outro lado, a questão da linguagem foi meu ponto de partida para
o estudo do ceticismo. Inicialmente a partir das considerações
de Kripke sobre o argumento da linguagem privada de Wittgenstein e do suposto
“paradoxo cético” encontrado aí. Pareceu-me necessário
entender melhor o sentido de ceticismo e de argumento cético, o que ainda
não estaria claro na análise de Kripke. Desenvolvi essa discussão
inicialmente em “Ceticismo Semântico” (Manuscrito, 1988).
A consideração do pensamento do “segundo” Wittgenstein
nos leva por sua vez a perguntar até que ponto sua filosofia pode ser
aproximada do ceticismo antigo (como atitude filosófica e não
como problema epistêmico e como terapia) foi uma questão que levantei
então a este propósito (sobretudo em “Ceticismo e Filosofia
Analítica” em A Filosofia Analítica no Brasil, ed.Maria
Cecília M. de Carvalho, Papirus, 1995 e em “La inocencia por la
que se debe luchar: el escepticismo y la Idea de filosofia como terapia, Revista
Latinoamericana de filosofía, 1993), inspirando-me na leitura de Wittgenstein
por Stanley Cavell (p.ex. desde de “The Availability of Wittgenstein’s
Philosophy”).
Essa discussão despertou-me, por sua vez, um interesse maior quanto às
relações entre ceticismo e filosofia da linguagem desde o início
do período moderno, quando alguns filósofos que valorizam a investigação
da linguagem de um ponto de vista filosófico, levantam questionamentos
céticos, por exemplo, sobre os poderes do intelecto e sobre a representação
mental, abrindo caminho para a discussão da linguagem como uma alternativa
à mente na relação com o real. A relação
entre semântica e epistemologia torna-se assim central para esta discussão.
Locke pareceu também inicialmente o caso exemplar neste contexto, tanto
por poder ser considerado um “cético mitigado”, quanto por
atribuir centralidade à linguagem em sua discussão da possibilidade
da ciência.
Seria a crítica cética ao modelo cognitivo de mente e à
noção de representação mental encontrados no pensamento
moderno uma das origens da valorização da filosofia da linguagem
no contexto contemporâneo (a partir do início do séc.XX)?
Dentro da tradição analítica encontraríamos talvez
em uma filosofia pragmática de inspiração wittgensteiniana
uma concepção de filosofia que poderia ser aproximada do ceticismo
antigo em alguns aspectos como p.ex. a função terapêutica
e a valorização da experiência comum? Poderia a filosofia
cética ser ainda uma alternativa no pensamento contemporâneo?